Infância e Consumismo

O consumismo é uma das características mais marcantes de nossa sociedade. O lucro impera, e assim molda nossos modos de ser e viver. A cultura de massas está intrinsecamente ligada ao consumismo. TEIXEIRA (2009) diz que o sistema capitalista necessita não só de um aparato infra-estrutural (produção, mão-de-obra, tecnologia, etc.), mas precisa de instrumentos que irão conquistar a dimensão subjetiva e valorativa com o intuito de convencer o sujeito a consumir produtos e serviços. Desta maneira, as propagandas veiculadas pela televisão não possuem apenas a função de vender produtos e serviços, mas sim de transmitir padrões de situações tidas como ideais, tanto em termos de valores (estéticos, morais) como em termos de satisfação. A cultura do consumo, divulgada pela mídia, molda desde cedo a subjetividade de crianças e adolescentes, que vai se consolidando em valores centrados no consumo.

Inicialmente, a comunicação publicitária era voltada ao público adulto. Porém, entre as décadas de 70 e 80, a publicidade brasileira passou a sentir a necessidade de atingir também o público infantil, e desde então tem buscado seduzir a criança e a tornar consumidora de bens e serviços. Desta maneira, a comunicação contemporânea se inaugura pela interpelação da criança como consumidora. As crianças atuam como impulsionadoras de consumo em várias esferas. Pesquisas mostram que as crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra de uma família (TNS/InterScience, outubro de 2003).

Para as crianças, a questão do consumo ultrapassa o fator comportamental de comprar e interfere na formação dos jovens, não apenas no que se refere à saúde, mas também na educação e nos valores e juízos da sociedade do futuro. Muito se fala nas crianças como sendo o futuro da nação. Diante deste novo papel designado às crianças - como consumidoras ativas - podemos dizer que isto passou a ser sinônimo de garantir o futuro de uma sociedade consumista.

A infância é o período propício para a aquisição de saberes relativos à vida. Trata-se de uma fase em que ela está aberta, curiosamente sedenta de novas experiências. Assim, a publicidade torna-se uma dessas experiências mais representativas ao firmar padrões físicos, estéticos e comportamentais que deixará a criança pronta para atuar em seu papel de consumidora. (FARIA E SOUZA apud MARCONDES FILHO, 2000)

No documentário “Criança, a Alma do Negócio”, Clóvis de Barros Filho nos lembra que a publicidade promete mais do que a alegria da posse - ela promete a alegria da inscrição na sociedade, a alegria da existência na sociedade. Consumindo, você será aceito como consumidor. E então, aceito como consumidor, será aceito entre os consumidores daquele produto - será afastado dos não consumidores daquele produto, e, portanto, terá uma existência social que irá te alegrar. Não sabendo teorizar sobre isso, porém sabendo que isto é verdade, o indivíduo embarca tranquilamente. E é no mundo infantil que se dá o início deste processo. Após consolidado estes valores distorcidos, a competitividade é vista como normal e é até mesmo incentivada. Adentramos um mundo que nos incentiva a pensar em termos de “vencedores” e “perdedores”. Como citado no exemplo de Yves De La Taille: Acontece, em várias propagandas de carro, nas quais o veículo é mostrado em cenas idílicas, sem que nada de objetivo se fale sobre suas virtudes. Se nada falam do automóvel, em compensação sugerem que seu virtual comprador tem ou terá determinado tipo de identidade, em geral associada ao status de pessoa feliz, pois “vencedora”.

A questão central que queremos debater se refere às conseqüências que esta exaltação consumista acarreta em nossas crianças. As crianças preferem comprar a brincar, de maneira que a infância está se perdendo diante destes novos hábitos. Hoje em dia fala-se muito em uma suposta ausência de valores, no entanto, como vimos acima, o valor existe: é o valor da marca sobre o valor da vida. GALEANO (1999) diz que a verdadeira escola da violência é a publicidade. Há uma ingenuidade enorme nos debates sobre os meios de comunicação, que é a condenação moralista das cenas de filmes violentos em horários vespertinos. O problema, na verdade, é outro: a prevalência de um discurso dominante de fundo no meio dessas obras de ficção, que diz “você só é quando você tem o que o outro não tem”. A exclusividade é considerada um valor, toda a produção discursiva é no sentido de excluir, de privar. Aqui está a verdadeira causa da criminalidade contemporânea: uma ordem de valores que põe o tênis Nike e as roupas de marca acima da vida humana.

Acreditamos que é importante trazer para essa discussão uma reflexão sobre o papel dos pais, educadores e terapeutas na construção de uma sociedade onde haja espaço para que as crianças revisem estes valores. Segundo CAMPOS E SOUZA (2003) cabe a escola trabalhar com os alunos diferentes olhares para a construção de um pensamento crítico sobre o que aparece na mídia; e cabe aos pais supervisionar o acesso dos filhos aos meios de comunicação.

Os pais e professores devem ficar atentos para não utilizar bens de consumo e veículos de comunicação e entretenimento como um meio de valorizar ou punir comportamentos, pois desta forma estariam confirmando sua importância, bem como o valor do ter sobre o ser. Porém, será que os pais possuem preparo e informação para transmitir valores diferentes ás suas crianças?

GADE (1998) enxerga a família nuclear como sendo o mais importante grupo de convivência primária dos indivíduos, pois é o seu primeiro agente de socialização. A autora diz que, por ser a primeira fonte de interação social dos indivíduos, a família exerce forte influência na formação dos valores e crenças dos indivíduos sobre o que comer, vestir, freqüentar, quem respeitar, etc. Acredita-se também que a família teria uma função mediadora, ao receber e filtrar as normas dos grupos mais amplos do sistema social antes de transmiti-las a seus membros. No entanto, o que vemos atualmente é que os pais, também envoltos pelos efeitos desta sociedade centrada no consumo e na competitividade, possuem cada vez menos tempo para exercer essa filtragem. A família perdeu seu espaço diante do poder da mídia. Pensamos que, de um modo geral, os pais não devem ser culpabilizados. É preciso entender que há uma indústria bilionária bombardeando a mente destas crianças.

Mas acima de tudo isso, é bom lembrar que de pouco adiantarão leis que coíbam a publicidade dirigida ao público infantil se não houver uma conscientização e uma mudança de atitude dos adultos. Como construir novos valores, visando desenvolver um olhar mais amplo e crítico para que estas crianças possam se tornar consumidores conscientes, se os próprios adultos estão entregues ao consumismo e à cultura da vaidade? O psicólogo tem em suas mãos uma possibilidade de contribuir para esta mudança.

Julgamos que esta é uma questão de extrema relevância e que reflexões e debates acerca deste tema precisam ser incentivados, pois indivíduos conscientes e responsáveis são a base de uma sociedade mais justa e fraterna, que tenha a qualidade de vida não apenas como um conceito a ser perseguido, mas uma prática a ser vivida.

Referências bibliográficas:

TEIXEIRA, Lindomar. A Ideologia do Consumismo. <http://revistas.unoeste.br/revistas/ojs/index.php/ch/article/viewFile/204/105> Acesso em: 4 nov. 2010

JUNIOR, José Ednilson. FORTALEZA, Camila. MACIEL, Josemar. A Cultura de Consumo e a Infância na Pós-Modernidade.
<http://www.fes.br/revistas/agora/ojs/include/getdoc.php?id=110&article=39&mode=pdf > Acesso em: 5 nov. 2010

SANTOS, Andréia. GROSSI, Patrícia. Infância comprada: hábitos de consumo na sociedade contemporânea. <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/2327/3257> Acesso em: 5 nov. 2010

PRETO, Adriana. O Indivíduo e a Família na Sociedade de Consumo Pós-Moderna. <http://www.institutofamilia-empresa.com.br/artigos/o_individuo_familia.pdf> Acesso em: 5 nov. 2010

GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. São Paulo: EPU, 1998.

CAMPOS, Cristiana Caldas Guimarães. SOUZA, Solange Jobim. Mídia, Cultura do Consumo e Constituição da Subjetividade na Infância. Psicologia Ciência e Profissão, 2003, 23 (1), 12-21

COMPARATO, Maria. MONTEIRO, Denise. Criança na Contemporaneidade e a Psicanálise, A: Mentes & Mídia Vol. II

Demais informações: Instituto Alana – Projeto Criança e Consumo
< http://www.alana.org.br/>

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